O filho nascido com a intervenção de um doador terá a possibilidade de descobrir quem é o seu progenitor ? Ou ainda o doador do material genético poderá conhecer o fruto de tal concepção ?
O anonimato das partes é garantido com o fim precípuo de se manter a distância entre os envolvidos, uma vez que aquele que doa não quer qualquer envolvimento com o receptor, sobretudo considerando-se a inexistência de qualquer vínculo de parentesco entre este o fruto da concepção, bem como, por outro lado, o receptor do material precisa de tal sigilo a fim de se estabilizar a unidade familiar a que pertence e está em construção.
Um dos motivos que pode ensejar a busca do doador pelo fruto da doação é o exercício do direito ao conhecimento da ascendência biológica, eis o que diz a ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz [1]:
“... a história da saúde de seus parentes consanguíneos para fins de prevenção de alguma moléstia física ou mental ou de evitar incesto (...)
Para João Loreiro, é um direito à identidade genética como o direito de cada ser humano ter um genoma próprio, salvaguardando, biologicamente, sua constituição genética individual; um direito a não repetição desse patrimônio genético, tornando-se inviolável, vedando-se a clonagem humana e um direito à identidade genética como direito ao conhecimento dos genitores, à historicidade pessoal ou à ascendência a matre e patre biologicamente verdadeira.”
Além do mais, o diagnóstico e a terapêutica de doenças hereditárias reclamam cada vez mais a análise e a conservação daquelas informações sobre o genoma humano, e a satisfação desta existência é independente daquela outra opção fundamental.
Pode se dizer que o direito ao conhecimento à ascendência biológica, por ser tão ínsito ao próprio ser, tange à dignidade da pessoa humana, direito este previsto constitucionalmente, sendo, pois, inclusive, cláusula pétrea na Constituição da República Federativa do Brasil, vedada sua supressão. Ocorre que ao possibilitar a quebra do compromisso do anonimato, estar-se ia exterminando a segurança familiar, jurídica e a paz social.
No Brasil a solução ao questionamento proposto atualmente está longe de encontrar uma reposta unânime. Atualmente positivado só existe a Resolução 2.013 do CFM que regulamente essa matéria no inciso IV, dispondo que:
IV- Doação de gametas ou embriões (...) 2- Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa 3- (...) 4- Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
Contudo, cumpre ressaltar que há projeto de lei brasileira (Projeto de Lei n˚ 1.184/03) que, apesar de ter optado também pelo anonimato como regra, prevê, em caráter excepcional o acesso às informações genéticas do doador, inclusive sua identidade civil, em seu artigo 48.
Em Portugal, o filho por inseminação artificial pode, “junto dos competentes serviços de saúde, obter as informações de natureza genética que lhe respeitem, mas não podem conhecer a identidade do doador (Lei n˚ 32/2006, artigo 15/2). Pode-se ainda obter informação sobre eventual impedimento legal para casamento junto do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, mas a identidade do doador só poderá ser revelada se este expressamente o permitir (Lei n˚ 32/2006, artigo 15/3).
Mas o artigo 15 da Lei n˚ 32/2006 contém um número 4, que estabelece: “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, podem ainda ser obtidas informações sobre a identidade do doador por razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial.”
Em relação a um direito comparado, cada país adotou um posicionamento com relação a esse assunto, formando, assim, duas correntes bem definidas e diametralmente opostas, quais sejam a de que preserva o anonimato e a que permite o conhecimento dos envolvidos, sendo que, neste caso, há uma subdivisão quanto ao reconhecimento do vínculo parental ou não.
A título exemplificativo, de um lado tem-se a França e a Dinamarca, que vedam de forma absoluta a quebra do anonimato. De outro, tem-se a Espanha e o Uruguai possuindo leis permitindo o conhecimento pelo fruto da concepção do doador do material genético, quando a questão envolve risco à saúde do fruto da concepção, e a Áustria e a Inglaterra, independente do motivo ensejador, havendo, ainda, projeto de lei argentino neste mesmo sentido.
Por fim, não é nada fácil optar entre estas duas grandes tendências. Qualquer delas se apoia na defesa de valores ponderosos, respectivamente, na defesa da paz da família e na defesa da verdade acerca da ascendência biológica.
O anonimato do doador parece exprimir bem a irrelevância da sua identidade e do seu papel social no processo de fecundação, porém, a ocultação da verdade biológica parece contrariar não só a relevância em geral, dos conhecimentos das ciências biológicas, mas também o culto da verdade nas sociedades em que o problema da inseminação heteróloga se põe.
[1] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo; Saraiva, 2010, p.58
Daniella Campos B. de Amorim - 43.202 OAB/GO
Especialista em Direito da Medicina pela Universidade de Coimbra - Portugal.
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