No Código Civil de 2002, o Livro do Direito das Sucessões esta tipificado nos artigos 1.784 a 2.027 e se reveste de fundamental importância, na medida em que entre a vida e a morte se tem todo um complexo de consequências jurídicas. E a morte, como término da existência do homem, se reveste de transcendental relevância porque determina o final de todos os sonhos, expectativas e projetos da pessoa, quer no plano fático, quer no jurídico, além de marcar, contraditoriamente, o início da vida do Direito da Sucessões.
Vida e morte. O mero invocador desse aterrorizante limite, gerador de alegria e horror, sempre despertou na humanidade as mais vivas reações exatamente porque neste cenário irremediavelmente temporal e finito se esgotou a grandeza e a falência do poder humano. E a tão só consideração desta dupla é suficiente para nos fazer compreender a importância do Direito das Sucessões que, em mágica alquimia procura projetar para além da morte a vontade do sujeito de direito, como se fosse possível estender a imortalidade através do patrimônio e da divisão de bens.
Diz o pensamento francês, “le mort saisit le vif” (o morto agarra o vivo). E o Direito das Sucessões se esgota exatamente na ideia singela, mas imantada de significados, de continuidade para além da morte, que se mantém e se projeta na pessoa dos herdeiros. Todos nós somos herdeiros da civilização acumulada por nossos ancestrais, da cultura transmitida pelos que nos antecederam, da educação que nos aperfeiçoa e do patrimônio que passa de pai para filho, na continuidade da natureza humana.
E na qualidade de herdeiros procuramos nos perpetuar dando sequência não só ao material, como poder-se-ia imaginar num primeiro momento, mas no mais profundo desconhecimento da alma, procuramos projetar nossa imagem na continuidade interminável e duradoura dos bens e valores.
A sucessão tem a ver, pois, com o momento qual se opera a transmissão da herança aos legalmente habilitados a ela. Ocorre no exato instante da morte do indivíduo. A transferência da herança ocorre de forma imediata, sem solução de continuidade, pois as relações de direito não podem ficar no mundo jurídico sem titular.
Essa abertura automática da sucessão é fenômeno derivado do “droit de saisine”, que está chancelado em nosso Código Civil através de seu artigo 1.784, que dispõe que aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. A sucessão legítima é a que se dá em virtude da lei e obedece a uma ordem – ordem de vocação hereditária conforme esta tipificado no artigo 1.829 do Código Civil (descendente, ascendente, cônjuge e colateral) que designa os que serão chamados a suceder, uns na falta dos outros. A sucessão testamentária, como diz o próprio nome, deriva de testamento, isto é, da manifestação de vontade do testador. Aqui é o testador quem determina seus herdeiros.
Um dos elementos constitutivos da essência do direito sucessório é a afeição, que o beneficiado deve nutrir por quem o benéfica, sendo esta também revelada por meio da gratidão ao “de cujus” a determinadas pessoas a quem se destina a herança, seja por força de lei ou por ato de livre vontade. A dignidade da pessoa humana também constitui natureza no direito sucessório, sendo princípio maior da Constituição Federal.
Duas modalidade podem levar herdeiros a serem excluídos da sucessão: a indignidade e a deserdação. O instituto da indignidade, cerne desse estudo, visa a privação do direito hereditário cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou aos interesses do antecessor. A indignidade não se baseia numa razão objetiva, mas numa circunstância eminentemente subjetiva, traduzida numa atitude de repúdio a lei pelos fatos graves cometidos pelo herdeiro contra o autor da herança.
O artigo 1.814 do Código Civil enumera os três casos de indignidade: autoria ou co-autoria em homicídio doloso, ou tentativa contra o autor da herança e membros da família; acusação caluniosa ou crimes contra a honra em juízo contra a pessoa de cuja sucessão se tratar; emprego de violência ou meios fraudulentos que inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens.
No primeiro caso temos a mais grave de todas as causas: o homicídio doloso (tentando ou consumado) contra a pessoa do de cujus. Nesse sentido, os provérbios colhidos no direito alemão traz: “blutige hand nimmt kein erbe” (mão ensanguentada não apanha herança) e a recolhida pelos redatores do Código Civil Francês: “n’ hérite pas de ceux qu’ on assassine” (não se herda daquele que se assassina).
No segundo o dispositivo trata de calúnia ou crime contra a honra, reportando-se a Parte Especial do Código Penal que traz: calúnia, injúria e difamação. Nesse caso não tem importância a modalidade ou a forma da queixa ou denúncia, basta ficar provado que o beneficiado levou o falso delito ao conhecimento das autoridades judiciárias, dolosamente, com o objetivo de provocar uma ação contra o inocente, para ser atingido pela indignidade.
Por fim, o inciso terceiro, o legislador se referiu aos atos inibitórios que interferem na livre manifestação de vontade do autor da herança. A liberdade é o fundamento da disposição do patrimônio causa mortis e, por isso, a lei pune o que impede essa autonomia, já dissera Bevilacqua: “a lei quer defender a liberdade de disposição dos bens ao indivíduo por isso pune, com a exclusão da herança.”
Não basta a prática de um dos atos que motivam a exclusão da sucessão por indignidade para o herdeiro ser excluído da sucessão, pois esta não é automática e depende de reconhecimento da causa de indignidade em sentença proferida em ação própria, ou seja, sentença proferida em processo civil.Essa ação esta tipificada no artigo 1.815 do Código Civil. Com a eficácia sentencial o indigno deixa de ser herdeiro, ex tunc: foi, porém não é mais.
Desse modo, vale novamente ressaltar que mesmo quando houver sido proferida prévia sentença penal condenatória ou mesmo uma sentença de natureza cível reconhecendo o comportamento ilícito por parte do sucessor, mostra-se ainda assim indispensável à propositura da ação de indignidade.
Ocorre que há parte da doutrina que entende, de forma segura, que não deveria haver a necessidade de propositura da mencionada ação declaratória. E esse é o melhor entendimento sobre a questão tratada nessa monografia de conclusão de curso. Asseveram que bastaria a sentença penal condenatória, transitada em julgado, reconhecendo o crime cometido pelo filho em detrimento do genitor, ou qualquer outra situação prevista no art. 1.814, para que ocorra a exclusão do herdeiro indigno.Exige-se uma postura ativa de qualquer dos outros herdeiros do falecido, ou seja, depende que quaisquer um dos outros herdeiros ingressem com a ação.
Esse fato só faz com que haja o prolongamento da situação de horror causada pelo autor do crime perpetrada em detrimento do autor da herança, causando-lhe intermináveis lembranças sobre a situação criminal.Coloca frente a frente um herdeiro contra o outro, haja vista que o legitimado passivo para a demanda declaratória será o herdeiro indigno. Imagine só você ficar frente a frente com a pessoa que matou os seus pais e tudo por causa de uma legislação retrógrada que é incapaz de tornar a exclusão automática.
É justo com os outros herdeiros dividir a herança, por exemplo, com um irmão que ceifou a vida de seus pais?Não. Porque é uma injustiça conferir direitos aqueles que não fazem jus a herança deixada, como é o caso de Suzane Louise Von Richthofen que, para impedir sua exclusão da sucessão por indignidade, alegou que agiu em estado de necessidade sendo coagida pelo namorado a cometer uma atitude violenta contra seus pais, por não ter outra forma de ficar com ele. Injustiça é conceder direitos hereditários a aquele que atentou ou consumou contra a vida dos genitores.
A atitude do herdeiro tipificada no artigo 1.814 do Código Civil é inadmissível e totalmente repudiado pela legislação. Os valores da família, do respeito aos mais velhos e aos pais estão se transformando, o direito à vida e à honra estão sendo violado como algo sem relevância. Cada vez mais vemos na mídia as causas de indignidade sendo praticadas por filhos, objetivando a herança de seus pais e infelizmente muito deles não tem a punição que merece e com a possibilidade de ainda receberam a herança.
Daniella Campos B. de Amorim
43.202 OAB/GO
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