Apreender um veículo como forma de coagir um condutor a quitar o débito do tributo, condicionado o licenciamento veicular à liberação da propriedade particular apreendida indevidamente, é Inconstitucional.
O Estado não pode usar a apreensão do veículo como forma de forçar o contribuinte ao pagamento do IPVA, esse tem outros meios de cobrança previstos em lei para exigir o imposto atrasado. Deve ser ofertado ao proprietário do veículo discutir a cobrança do IPVA sem ser privado do seu direito de propriedade.
A Ordem dos Advogados do Brasil, já se manifestou sobre o assunto, vejamos: “O Estado se torna infrator ao obrigar o cidadão a colocar em dia o imposto veicular (IPVA), usando forças policias de segurança para promover Blitz do IPVA, como forma de identificar e reter veículos atrasados ao pátio do DETRAN em prol dele próprio.”
Antes de emitir qualquer juízo de valor acerca do cumprimento da obrigação tributária deve haver um processo administrativo para investigar. No processo administrativo é possível que o contribuinte tenha acesso à ampla defesa e ao contraditório.
A atitude que o Poder Público vem tomando em relação ao tema configura lesão às garantias constitucionais fundamentais do cidadão, estando na contramão do ordenamento jurídico consagrado na Constituição Federal de 1988, uma vez que o ente público utiliza-se do tributo com efeito de confisco, o que é vedado expressamente pela nossa Carta Magna.
A apreensão de um automóvel sem o devido processo legal, cujo proprietário não tenha feito o pagamento do imposto sobre a propriedade de veículos automotores, é um exemplo claro de excesso de poder na atuação do Estado.
O artigo 230, inciso V, do Código de Trânsito Brasileiro traz claro esse abuso de poder e a falta do devido processo legal, nesse caso, vejamos: “Art. 230 conduzir o veículo: [...] V- que não esteja registrado e devidamente licenciado. [...] Penalidade: multa e apreensão do veículo.”
Nas “blitz do IPVA” é isso que vem acontecendo, os carros são apreendidos e conduzidos aos depósitos com a fundamentação nesse artigo, sem ao menos ter o contribuinte direito a uma ampla defesa e contraditório.
É indiscutível a obrigação do contribuinte de pagar o tributo. Ademais, evidente é a ilicitude de circular com o veículo sem o CRLV. Entretanto, nenhum Estado de Direito pode utilizar da ilicitude de seus administradores como justificativa para cometer outra. Não se justifica, nem mesmo entre o Estado e os particulares, a justiça nos moldes “olho por olho, dente por dente”.
Assim, o contribuinte que deixa de pagar o IPVA não pode, em razão disso, sofrer uma restrição de direito à propriedade na esfera administrativa sem o devido processo legal, conforme propõe o artigo 230, inciso V, do CTB.
O Estado, como titular do direito de arrecadar, tem a obrigação de utilizar os meios jurídicos adequados para garantir a satisfação do seu crédito.
O silêncio é anuência, já dizia o dito popular. Enquanto o contribuinte “abaixar a cabeça” e aceitar a imposição de normas como esta que afetam inúmeras garantias constitucionais que foram a duras penas conquistadas, e que dão sustentação ao Estado Democrático de Direito, no qual se constitui a República Federativa do Brasil, cada vez mais estar-se-á dando passos para trás, distanciando-se ainda mais da busca incessante daquilo que é por todos conceituado como democracia.
Enraizado na cultura nacional, como componente necessário e essencial da vida humana na tradição romano-cristã, encontra-se o princípio do respeito à propriedade privada, como elemento imprescindível ao desenvolvimento do ser e de sua família, dentro da orientação própria e em razão da liberdade natural de que é dotado (BITTAR, 1991, p. 153-154).
E assim também os são os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Garantias estas que, ao que parece, foram esquecidas pelo legislador ao elaborar o atual Código de Trânsito, no qual se privilegiou, mais uma vez, o furor arrecadatório do Poder Público.
É preciso que o cidadão dê um basta a tudo isso. São pequenas atitudes como este simples ensaio é que darão início a um processo de profunda reformulação pelo qual precisa passar o País.
Todos devem acreditar que mudar é possível. Basta querer.
Daniella Campos B. de Amorim
Advogada Tributarista 43.202 OAB/GO
Comments